Júlia Kudiess
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Preparador físico do Minas explica evolução e potência de Julia Kudiess


Titular da Seleção Brasileira na vitória sobre o Canadá por 3 sets a 1 na estreia da VNL Feminina 2024, a central Julia Kudiess, 21 anos, 1,89m, seguramente vive o melhor momento da sua carreira. Eleita a atleta-revelação da última Superliga, que terminou com a conquista do título com a camisa do Gerdau Minas na final contra o Dentil Praia Clube, a jovem central jogou a sua primeira temporada de clubes como titular e mostrou muita evolução técnica, mas principalmente física. Mais rápida e forte, ela chama a atenção pelo deslocamento veloz na rede para bloquear e pela potência da bola china.

Em entrevista ao Web Vôlei, o preparador físico do Minas, Alexandre Marinho, falou sobre essa evolução física e técnica da Julia Kudiess e do grande momento da central da Seleção, que está na briga por uma vaga para os Jogos de Paris, a partir de 26 de julho deste ano.

Confira, abaixo, a entrevista:

A china da Júlia está visivelmente mais potente e ela mais rápida e forte. Como foi esse trabalho com ela nesta última temporada?

Julia chegou muito jovem ao clube. Todas nossas atletas são avaliadas regularmente ao longo das temporadas. Sendo assim, temos um extenso banco de dados que facilita as comparações. Em todas minhas análises já era nítido como ela sobressaia em relação a categoria. Atributos antropométricos de força e potência. A partir daí o plano foi desenvolver ainda mais estas valências. O programa físico está atrelado a concepção técnico-tática que a Comissão Técnica entende ser adequado para a temporada. Julia faz exercícios específicos e direcionados para o gesto técnico para ações de bloqueio e ataque. Fortalecimento do core e exercícios de potência para membros superiores são a ênfase em todas as fases do trabalho.

Julia Kudiess, Alexandre Marinho
Alexandre Marinho é preparador físico do Minas desde 2016 (Hedgard Moraes/MTC)

Qual foi objetivo do trabalho desde o início?

Júlia Kudiess é um projeto de Nicola Negro junto ao Departamento de Voleibol Feminino do Minas Tênis Clube.  Ele assumiu toda a responsabilidade e a trouxe para a equipe adulta ainda muito jovem. A ideia era ganhar espaço e “minutagem” ao longo das temporadas. Treinar no nível adulto desde “novinha”. Júlia treinou bloqueando Thaisa, Carol Gattaz e tantas outras fortes atacantes que passaram pelo time. Muito se fala no “sair pra jogar” (respiração profunda e risos…) Julia foi paciente. Atacou e bloqueou contra duas lendas da posição e aproveitou muito bem o que ambas têm de vasta experiência para compartilhar com ela. Fez diferença sim, no processo de desenvolvimento de Júlia. O objetivo final, sem demagogia, era chegar brigando pela titularidade da Seleção Brasileira já nos Jogos Olímpicos de 2024.

A preparação física de uma central é diferente da preparação das demais jogadoras?

Desde minha chegada ao Minas, em 2016, trabalho com conceito de Individualidade e Especificidade. Todas as posições possuem particularidades sim. No caso da central, por exemplo, a cinemática dos  saltos, a distância que percorre na rede, o controle corporal para os deslocamentos, saltos e quedas são diferentes. Em relação ao componente saltos, são as que apresentam maior volume ao longo de jogos e treinos, merecem uma atenção especial.

Como deve ser física e tecnicamente a central do futuro?

Monitoro a evolução antropométrica da nossa Superliga (8 anos) e Liga Italiana (há 15 anos). Levando em consideração os  semifinalistas de todas estas competições, não temos média inferior a 1,90m na posição. Estas estatísticas mostram uma regularidade. Lembrando que é média. Adenízia com 1,85m nas temporadas 2016/17 e 2017/18 repetiu o feito de mais de 1,00 ponto de block/set! Isso foi fantástico, uma vez que só  ficou atrás de Jovana Stevanovic (1,11 block/ em 2015/16 e  Christa Harmotto (1,08 em 2011/12) nos últimos 15 anos de Liga Italiana.  De forma simples, deve ser alta, forte (desde que o volume muscular não atrapalhe na potência) e rápida. Do ponto de vista técnico, sacar e bloquear como prioridade e “se virar” bem no ataque.

Quais as características da Julia Kudiess como atleta?

Júlia é minha atleta há bastante tempo. Reúne todas as características físicas da central moderna. Tem boa estatura, ótimo alcance e muita, muita potência. Em termos comportamentais é a uma atleta extremamente focada, cumpre o proposto sempre no 100% da exigência da sessão e busca a excelência em todos os componentes do treinamento: Técnico/Físico/Mental. Sabe onde e como quer chegar. Eu brinco: enquanto treinador, meu papel é mostrar o caminho e os atalhos. O papel dela é confiar e seguir. 

O que a Julia Kudiess ainda pode melhorar?

No alto rendimento, cada detalhe faz diferença. Apesar de ser “fora da curva”, precisamos nos distanciar ainda mais. Ainda temos ajustes na composição corporal, incremento de força e consequentemente potência. Na minha opinião, tecnicamente, maior constância no saque, minimizar erros para aumentar a eficiência do ataque e aprimorar ainda mais as passadas de bloqueio. Além disso, atletas e comissões técnicas podem estabelecer um conceito inovador que possa necessitar de uma análise e uma reprogramação agregando novas ferramentas dada a nova demanda.

Quais centrais são espelho para você?

É uma posição desafiadora para trabalhar. Por isso, tenho um olhar especial para elas. São muitas atletas e só de chegar no alto rendimento já são dignas de muitos aplausos por ser uma caminhada bastante difícil. Ainda como torcedor, fui fã de Regla Torres (Cuba) e a americana Foluke Akinradewo. Como fui “apertado” para falar uma lista segue assim: como profissional do voleibol, tenho Thaisa, Carol Gattaz e Fabiana Claudino no meu Top10 da história. A sérvia Jovana Stevanovic e a turca Eda Erdem são minhas preferidas para entrar nesta lista também. Julia Kudiess tem muito potencial para entrar neste rol.

Como fazer para as jogadoras não chegarem estouradas no final da temporada?

Planejamento. A última bola da Superliga 2023/24 caiu no laranja no dia 21 de abril, um domingo. Segunda-feira, para mim, já começou a 2024/25. Começo a pensar e individualizar as atividades de todas as jogadoras. As que chegam (são monitoradas há várias temporadas) entro em contato para planejar a intertemporada e as remanescente também estão sob observação mesmo nas “férias. Uma parte do grupo pertence a Seleção do respectivo país, mas não deixam de estar no radar. Esse monitoramento é fundamental para a longevidade na temporada e na carreira de cada uma. 

Excluindo os estaduais e amistosos, o Gerdau/Minas, considerando os semifinalistas da Superliga, fez 12 sets a mais que o Praia Clube, 42 a mais que Osasco e 44 a mais que Sesc/Flamengo, distribuídos ao longo de 5 torneios (Minas e Praia) e 2 (Osasco e Flamengo). Não é uma gestão simples, principalmente quando temos no elenco 6 jogadoras das 15, vindas da Base. Dos semifinalistas, apenas Sesc/Flamengo tinha 3 de 14. 

Um ponto fundamental desse planejamento é a interação Comissão Técnica/Preparação Física/Fisioterapia. Essa relação pode se tornar um terreno bastante pantanoso se não for bem alinhada. 

Os pontos de “ápice” são muito bem definidos no planejamento inicial do Clube e nossa Preparação é muito em função disso. Trabalho com a prerrogativa de treinar para adaptar e não simplesmente cansar. Isso implica, eventualmente em não treinar, treinar menos, treinar ou treinar mais. O morrer de treinar é lindo nas biografias e frases motivacionais, na prática e, para a carreira do atleta, não se aplica.

Por Patrícia Bortoletto