Bruninho e Bernardinho: os perrengues e as alegrias juntos na quadra
A relação de entre Bernardinho e Bruninho – de pai-filho-técnico-jogador – durou 10 anos na Seleção Brasileira: de 2006 a 2016. Começou de maneira “conturbada”. Bruninho, que era o terceiro levantador do grupo, foi convocado para jogar o Pan-Americano do Rio, em 2007, após o corte do então titular, Ricardinho, e ele chegou a ser vaiado no Maracanãzinho, mesmo com o Brasil levando ouro – foi campeão, batendo os Estados Unidos na final, por 3 sets a 0.
Se o início foi difícil por conta das críticas externas e de questionamentos de que Bruninho merecia, tecnicamente, estar na Seleção, o relacionamento foi fechado com chave de ouro, com a conquista do ouro nos Jogos do Rio-2016. Na última sexta-feira, o feito completou quatro anos e o ex-capitão do Brasil, Nalbert, bateu um papo descontraído com Bruninho e Bernardinho, que foi ao ar no Globoesporte.com.
Foi a sétima medalha olímpica de Bernardinho, a segunda de ouro. Ele foi campeão também como treinador em Atenas-2004. Com o time masculino, foi ainda prata nos Jogos de Pequim-2008 e Londres-2012. Com o feminino, conquistou o bronze em Atlanta-1996 e Sydney-2000. Tem tem a prata, como jogador, conquistada da Olimpíada de Los Angeles-1984. Bernardinho ainda é tricampeão mundial com a Seleção Masculina (2002, 2006 e 2010).
Bruninho tem três medalhas olímpicas no currículo: as pratas de 2008 e 2012, além do ouro de 2016. Ele foi campeão mundial em 2010 e vice em 2014 e 2018 – as duas derrotas do Brasil na final foram para a Polônia.
Confira abaixo alguns trechos da entrevista:
PAN DE 2007 E CORTE DE RICARDINHO
BERNARDINHO “Chegamos da Liga Mundial na Polônia, teríamos poucos dias livres, combinamos uma apresentação e o Ricardo não apareceu. E o Bruno ficou treinando no Rio. A aconteceu o que aconteceu, nós já estávamos com umas questões eu tomei uma decisão. E parte da imprensa vendeu a história da maneira que eles acharam que iria vender. A decisão foi minha. Os ruídos de fora não interferem nas decisões aqui de dentro. Se eu tivesse feito algo tão injusto e incoerente baseado no nepotismo, o restante da equipe, e eu falo de campeões olímpicos e mundiais, teriam aceitado a minha decisão e teriam me aceito como líder durante tantos anos após? Não. Eles iam falar “não, para”, como tantas vezes falaram quando eu estava eventualmente errado. Foi muito duro. Eu lembro que na final eu não tinha nem vontade de voltar para receber a medalha, porque aquela vaia e a forma como as coisas foram confundidas ainda me machucavam, e tenho certeza que ao Bruno também”.
RIO-2016
BERNARDINHO “E eu só pensava nisso em 2016, quando a gente não começou bem e aí eu pensava: “será que o moleque vai sofrer de novo aqui?”
BRUNINHO “É um misto de emoções naquele momento. Foram 9 anos, mas na verdade foram 10 desde a primeira vez que fui para a Seleção. Foram 10 anos de muita dedicação, sacrifício, momentos difíceis como esse de 2007, que foi sem dúvida o mais complicado, foram momentos de derrotas como a de Londres, que a cicatriz foi difícil de fechar. E naquele momento tem um misto de alívio, mas era mais alegria e felicidade porque a gente tinha conquistado o que a gente tanto almejava há tantos anos. Aquele abraço foi algo realmente especial, porque eu digo que nossa relação não foi simples, principalmente, no início. Muitas vezes a gente se “afastou” no relacionamento pessoal porque a gente tinha essa coisa profissional muito forte, tivemos discussões e brigas. E naquele momento valeu tudo a pena, e a gente pôde se abraçar e ver que todos esses anos difíceis puderam ser demonstrados nesse abraço, nesse olhar, e isso valeu mais que qualquer coisa.”
LONDRES-2012
BRUNINHO – “Foi a derrota mais doída, aquela em que a cicatriz demorou mais para fechar” (O Brasil perdeu a final para a Rússia por 3 sets a 2, de virada, sendo que vencia a partida por 2 sets a 0 e ganhava o terceiro por 24 a 22. A entrada do gigante Muserskiy na posição de oposto fez a Rússia reagir e virar o set em 29 a 27 e o jogo em 3 a 2).
PRESSÃO
BRUNINHO – “Aquele grupo vinha com a responsabilidade de substituir a geração de vocês (Nalbert) que foram campeões de tudo. A gente chegava à final de tudo e era tanta a pressão, que quando a gente chegava à final nem dava alegria, dava alívio. Na final de 2016, quando a gente chegou à final eu tinha uma fé muito grande de que tinha algo especial guardado pra gente em casa, perto do nosso povo, da nossa torcida, dos nossos familiares e amigos. Aquele momento tem um misto de alívio, mas de alegria e felicidade. A gente conquistou algo que a gente almejava há muitos anos”
BERNARDINHO – “É do jogo, a Seleção Brasileira conquistou tanta coisa, gerou expectativa… Parte daqueles jogadores sentia mesmo alívio quando conquistava um título. A pressão era muito grande.”
RELAÇÃO PAI-FILHO
BERNARDINHO – “Como filho, é um filho amoroso, muito ligado à família. Tenho certeza que as minhas palavras são as palavras da Vera (Vera Mossa, ex-atacante da Seleção Brasileira e mãe do Bruninho). Ele quer estar conosco, com a família, quer estar com os avós, os quatro avós estão aí. É uma pessoa muito especial. As pessoas falam: “O Bruno tá jogando e tal”, cara, legal, muita gente joga muito bem. Mas quando falam “O Bruno, que cara bacana, como foi bacana e inspirador conviver com ele”. Isso não tem preço para um pai. E eu tenho ouvido isso muito, isso é o mais importante da vida. As medalhas e troféus existem, mas o que a gente leva são essas coisas da vida”.
BRUNINHO – “As pessoas ao longo dos anos vem conhecendo esse outro lado. Desde que eu nem era da Seleção, as pessoas sempre falavam o quanto ele era nervoso, rasgava a camisa na beira da quadra (risos). Mas é um cara totalmente diferente dentro de casa, um pai sempre muito presente, que passou os valores mais importantes que eu poderia ter na minha vida. Ele é o maior exemplo da minha vida. Eu vejo isso com as minhas irmãs hoje. É um cara super generoso, amigos dos seus amigos. São coisas que as pessoas muitas vezes não conhecem. Mas apesar desse jeito rígido dentro de quadra, perfeccionista, apaixonado pelo que faz, é a demonstração do quanto ele gosta de dar treino. São grandes características de uma pessoa que sem dúvida é a minha referência. Meus avós têm, com certeza, muito orgulho da pessoa que ele se tornou”.
LIDERANÇA
BRUNINHO “Esses valores passam desde o meu avô, desde muito novo, da época da Cimed, com 21 anos eu já era capitão do time, eu tinha isso nato, mas sem dúvida muito aprendendo por osmose em casa com ele e com o meu avô e me deixando com as características de um líder. Eu fui tentando ao longo dos ano aprender com outros líderes e outros que não eram capitães, mas pela liderança técnica… você puxa algo importante de cada treinador, jogador. Acho que isso sempre foi positivo na minha vida. Eu fui inteligente de tentar tirar o melhor de cada companheiro e treinador que eu tive como exemplo. Eu sabia que tecnicamente eu não era tão bom quanto outros levantadores, então a minha diferença tinha ser fazendo de outra maneira. Aprendendo com outros caras e desenvolvendo essa minha liderança acho que podia agregar algo a mais para a minha carreira.
SER TÉCNICO DO FILHO X SER TÉCNICO DA ESPOSA
BERNARDINHO – “Quando eu me tornei o marido dela ela (Fernanda Venturini) já era “A” levantadora (risos). Eu tinha de ir devagar ali, porque ela já sabia todos os caminhos. O Bruno eu fui mostrando os caminhos. Mas os dois tinham uma inteligência emocional muito grande. Eles sabiam separar. Eu sou o cara que chega a quadra para casa (risos). Mas o fato é que ela sabia. O próprio Bruno, embora ele viva mais intensamente esse processo que a Fernanda… O fato é que ela ligava e desligava, hoje é outra vida. No caso do Bruno, com todos os componentes e eu duro em excesso com ele, exigindo demais dele. Até tivemos de nos afastar um pouquinho, senão iríamos brigar em casa… (risos)”.
EM CASA
BERNARDINHO – “Cheguei de uma viagem e fui para ver ele na aula de judô e tinha fugido da aula, peguei ele no pulo do gato. Mas não dava trabalho. As meninas (as filhas Júlia e Vitória) dão mais trabalho”
RELAÇÃO COM OS IRMÃOS E AFILHADOS
BRUNINHO – “Tenho vontade de ser pai, mas a maneira que eu acabo criando muitas amizades acabo sendo convidado para ser padrinho, fico muito feliz. Sou padrinho do filho do Lucão, do João Paulo Tavares e outros também. E a relação com as minhas irmãs têm tudo a ver com essa minha dedicação à minha família. Essa minha decisão de voltar para o Brasil foi por conta disso. Agora, em Taubaté eu estou no meio do caminho do Rio e de Campinas”.
FUTURO
BERNARDINHO – “Acho que o Bruno seria um bom técnico, é um estudioso do voleibol e emocionalmente é uma versão melhor que a minha. Não sei se um dia vamos voltar a trabalhar juntos. Mas, certamente, ele seria um jogador que eu gostaria de ter como capitão do meu time”.