Coluna: Não existe glamour em trabalhar sem receber
Daniel Bortoletto escreve sobre a crise financeira enfrentada por alguns clubes brasileiros
Sem receber salários nos últimos meses, jogadores e comissão técnica do time decidem não viajar para jogo da elite do campeonato nacional. Aconteceu na Argentina, nesta semana, com a equipe masculina do Ateneo, sexta colocada na liga local, mas o cenário poderia ter sido o Brasil.
Faltando um mês para o fim do segundo turno da Superliga, vários casos seguem sem solução no país. Nesta semana, um deles, o Denk Maringá, enfrentou o Sesc, no Rio de Janeiro, com os sete titulares e apenas um reserva. Entre os atletas que saíram jogando, por exemplo, não existia um oposto de origem. Bertolini, meio de rede, foi improvisado no setor. E seguirá assim até o fim do campeonato, já que os três atletas da posição deixaram o projeto por falta de pagamento. No banco, o único reserva disponível para o técnico Alessandro Fadul era Ricardinho, presidente do Maringá e até então aposentado do esporte. Aos 44 anos, precisou voltar à ativa para evitar o vexame de não ter o mínimo de atletas necessário para disputar um jogo oficial.
No fim do duelo, Giovane Gávio, técnico do Sesc, vencedor por 3 sets a 0, resolveu dar o Troféu VivaVôlei, em tese como destaque da partida, para Ricardinho, “em nome da luta para manter o projeto de Maringá vivo”. Impossível condenar o gesto de Giovane, um companheiro do levantador na Seleção Brasileira nos principais campeonatos do planeta. O erro, no meu modo de ver, é glamourizar demais tal situação.
Estamos falando do maior campeonato de vôlei do país. Ponta Grossa e América brigam contra o rebaixamento na Superliga em situação financeira parecida com a de Taubaté. Também já jogaram com oito, nove atletas, e perdem atletas. Sem previsão de receber o salário do mês, eles desistem e mudam para times da Superliga B ou para qualquer país que sinalize com o tão sonhado pagamento. Até o poderoso EMS/Taubaté, atual campeão da Superliga, tem débitos com jogadores e comissão técnica, simplesmente a base da Seleção.
Aquele WO em jogo na Argentina já poderia ter acontecido aqui. Talvez, se tivesse mesmo acontecido, alguma coisa já teria mudado.
Sinto falta de a comunidade do vôlei vir a público. Ao menos para demonstrar solidariedade com quem sofre com o problema. Ou também revelando alguma indignação, como alguém que deveria marcar posição sobre um tema tão relevante, deixando clara a necessidade de uma mudança de rumos. Para o bem não apenas da atual geração, mas daqueles que estão sendo formadas. Temos aqui dezenas de medalhistas olímpicos, campeões mundiais, ídolos. A palavra e a imagem deles pesam.
E também não estamos falando de uma modalidade qualquer, sem investimento público e privado, sem grandes resultados internacionais, sem exposição na mídia. Muito pelo contrário.
Hoje são dezenas de famílias impactadas por erros administrativos, irresponsabilidade de dirigentes, não cumprimento de contrato por patrocinadores. E a vida tem de seguir, o show deve continuar, alguns vão dizer. Se o dedo não for colocado na ferida, temo pensar que situações como a atual sejam tratadas com mais naturalidade ainda em um futuro não muito distante.
TEXTO DE DANIEL BORTOLETTO, PUBLICADO INICIALMENTE NO LANCE!