
Fronckowiak, cidadão do mundo, vibra com nova chance na Seleção
Assistente técnico de Bernardinho no novo ciclo olímpico fala sobre maturidade, títulos na França, próximos desafios e se mostra empolgado com a nova geração
De volta à Seleção Brasileira após seis anos com a incumbência de ser um dos assistentes de Bernardinho, Marcelo Fronckowiak conta que recebeu com surpresa e gratidão a oportunidade. Bicampeão francês no comando do Tours (2022/2023 e 2024/2025), o profissional vive momento especial na carreira e define como se vê na equipe verde-amarela: um operário em uma máquina.
Em entrevista ao Web Vôlei durante a etapa do Rio de Janeiro da Liga das Nações (VNL), Fronckowiak relembrou a saída do time nacional em 2019, sob o comando de Renan Dal Zotto, falou sobre maturidade, a experiência adquirida em anos na Europa e a identificação com o trabalho ao lado de Bernardinho.
– Eu chego a ficar até emocionado ao falar, porque sinceramente não esperava. Tenho um agradecimento muito grande ao Bernardo e ao Rubinho, que é um cara com quem divido muita coisa há algum tempo. A saída da Seleção no primeiro momento foi uma coisa frustrante. Eu tinha uma ideia de ir até um ciclo olímpico, mas, ao mesmo tempo, o Renan me deu a grande oportunidade, o que também projetou o meu nome, então sou muito grato e, agora, me sinto um pequeno operário nessa máquina. O tipo de relação que existe é de amor, de paixão, de exigência. Estar na Seleção Brasileira é um sonho de garoto e é uma responsabilidade imensurável. Estou muito feliz, muito grato às pessoas que me proporcionaram isso e trabalhando com muito afinco – afirmou Fronckowiak.
O profissional se empolga ao falar dos próximos desafios, tanto na comissão técnica da Seleção Brasileira, quanto em seu próximo clube. Fronckowiak assinou contrato com o Steaua Bucareste, da Romênia, para a temporada 2025/2026.
– Eu gostaria muito, sinceramente, de ir até Los Angeles com a Seleção Brasileira. Acho que eu vou continuar um cara meio cidadão do mundo, porque estou indo conhecer um novo país, uma nova língua. Isso também é fruto de uma vontade pessoal, mas também da ausência de possibilidades no Brasil, onde o mercado de trabalho de treinadores é muito restrito. Agora, eu estou com 57 anos. Comecei a treinar com 13, 14 anos. Já tive a oportunidade de fazer campeonatos pelo mundo, Sul-Americanos, Pan-Americanos, etc. Mas os Jogos Olímpicos, para mim, sempre foram um sonho de garoto. Se de alguma forma eu puder chegar até lá contribuindo, vai ser a realização de um sonho – disse Fronckowiak.
Com três vitórias em quatro jogos na VNL, a Seleção Brasileira tem animado não só a torcida, mas a comissão técnica. Fronckowiak aponta a entrega do grupo como um diferencial entre as equipes com quem trabalhou.
– A gente vai ter que manter a pegada. A maneira que esse grupo está trabalhando me dá uma alegria incrível. Estou recebendo uma energia desse grupo que há muito tempo eu não recebia. Nós estamos lutando pelo ranqueamento, pela posição do voleibol brasileiro. Mas a maneira como esses meninos estão se doando é uma coisa louvável. Eu espero que os torcedores, os críticos, a imprensa e as pessoas reconheçam que está existindo um engajamento em um trabalho do mais alto nível. E que tenham a mínima paciência para esperar as coisas acontecerem. Tenho certeza de que quando se trabalha desse jeito o resultado aparece – avalia Fronckowiak.
Confira a entrevista completa de Marcelo Fronckowiak:
A relação com a França
“Voltar para a França era uma possibilidade que sempre existiu. Guardei todos os meus papéis da minha primeira passagem relacionados à questão da Seguridade Social. Tive um carinho muito grande pelo país, que me acolheu lá em 2004, quando eu e minha esposa tomamos a decisão, na época um pouco surpreendente, pois eu estava muito bem no mercado brasileiro, tinha feito duas finais de Superliga. Mas queria me testar, queria saber se eu teria condições de dirigir em outra língua, conhecer outra cultura. Foi um projeto de família. Ficamos seis anos. O Eduardo tinha seis, voltou com quase quatorze. O Pedro tinha três meses, voltou com sete anos, achando que era francês. Conquistamos bons resultados com o Tourcoing, mas não um título. Já nesta segunda passagem, no Tours, a prerrogativa era sempre de ganhar.
O primeiro ano foi fantástico, porque a gente fez três finais, algo inédito na história do clube. Mas também perdemos três finais. Ficou um gostinho meio amargo. No segundo, a gente fez o dublê, que eles chamam quando se ganha a Copa e o Campeonato Francês. E fizemos participações muito interessantes em Copa da Europa e Liga dos Campeões. Então, no longo prazo, acho que foi um resultado de excelência incrível e que me projeta novamente para o mercado internacional. Tenho um apreço muito grande pela França. Adoro falar francês, adoro a cultura francesa. Meu pai, que era artista, me ensinou sobre isso. Minha família se sente muito bem lá. Então, juntou a fome com a vontade de comer. Quando se tem oito finais em quatro anos e quatro títulos, é resultado de um trabalho não só meu, mas de todo mundo que estava lá e representando a história de um clube muito importante. Eu me coloquei à altura das expectativas”.
Desafios na temporada 2024/2025 até o título
“Foi, sem dúvida, a temporada mais difícil. Mas tem alguns fatores. A gente começa a temporada com o capitão punido, fora. Zeljko Coric, um jogador muito importante. A gente começa a temporada com Ryan Sclater machucado. Roland Gergye, machucado. Ou seja, a gente tem três perdas titulares. Fomos obrigados a contratar um terceiro levantador, obrigados a jogar com jogadores que de repente não tinham tanta experiência. Com um grande clube, tem o peso da camiseta. Então, a gente começa mal. E o ano anterior já tinha acontecido um momento delicado, mas a gente já tinha ganhado a Supercopa, então sabia que tinha a capacidade de fazer resultado no ano anterior e que, neste ano, tinha que se provar. Eu sou um cara que acredita muito no trabalho. E a gente trabalhou muito bem. Só que se você, em outubro, novembro, é 12º ou 13º colocado, de 13, 14, sabe que só vai resolver isso depois de tempo. Tem que dar tempo ao tempo. E isso também é um processo de evolução na minha carreira. Dei tempo ao tempo, continuei a acreditar no trabalho e a gente virou completamente a chave. E recuperou os jogadores machucados, principalmente na reta final. Os problemas continuaram acontecendo. O Leandro Aracaju teve um mês fora em dezembro e janeiro. Mas eu tinha muita confiança que, a partir do momento que o grupo estivesse completo, a gente faria o que fez”.

Mercado restrito no Brasil
“Acaba acontecendo no Brasil que o produto voleibol não ocupa o espaço que pode ocupar. Então, a gente hoje tem uma festa linda no Maracanãzinho, lotado, onde o produto maior do país relacionado à modalidade de voleibol é a Seleção Brasileira. E a gente tem muitas interrupções em relação à continuidade dos clubes. Estou falando de uma sala que eu tive aqui 10 anos atrás, 12 anos atrás, no único título do estado do Rio de Janeiro de Superliga, e uma coisa que acabou. E aí, isso impacta na formação. Tem vários jogadores como o Chizoba, tem o Hugo De Leon, do Amapá, que está na França, o garoto já esteve na Polônia, na França, na Espanha. O Chizoba é fruto disso, desses garotos que tem um potencial incrível e que precisam buscar espaço fora, até para se sustentar, porque é um trabalho. A minha função é olhar todo o voleibol como um todo, que eu gosto muito, e tenho um carinho especial pelos brasileiros que estão lá fora. A gente sabe os perrengues. Nem sempre se está em um clube estruturado, nem sempre tem médico, nem sempre tem nutricionista, nem sempre tem fisioterapeuta. Eu sempre fui e sempre vou ser lá fora um ponto de referência para a comunidade brasileira, no sentido daquilo que pode ser feito pra ajudar todo mundo”.
Renovação da Seleção Brasileira
“Para vários desses jogadores, talvez sejam os primeiros jogos internacionais no mais alto nível, mesmo que eles tenham feito a formação na base. Temos que entender, no processo de renovação do voleibol brasileiro, que precisamos de tempo. Temos alguns poucos jogadores que já tem uma vivência, como o Cachopa, o Maique, o Lucarelli e o Flávio”.
Como se comunicar com as novas gerações
“Eu tenho um filho de 28 anos e tenho um filho de 21 anos. Então, estou nessa pegada já há algum tempo. Enquanto pai, preciso me autoavaliar em relação a quais são os estímulos e o que seduz essa juventude. Eu acho que é também uma revisão constante. Eles são mais visuais, são menos da coisa escrita, são mais do impacto relacionado à informação o mais rápido possível. O grande desafio, na minha opinião, é chegar no lugar comum. Que o nosso discurso e a nossa transmissão da informação estejam no nível que eles estão acostumados a fazer e que eles, ao mesmo tempo, também possam reavaliar determinadas situações que estão cotidianamente vivendo. No clube, eu tenho feito sessões muito curtas. Então, a transmissão da informação precisa ser direta e rápida, com muito impacto visual, com o plano de jogo escrito. Depois, mando o plano de jogo no WhatsApp, para eles poderem, quando tiverem tempo, dar uma olhada. Na Seleção, o processo está sendo muito bem conduzido pelo Bernardo”.
Os ganhos com a terapia
“Tenho feito uma revisão contínua em relação à minha maneira de ser. O Marcelo Fronckowiak hoje é muito mais tranquilo, articula melhor, tenta ser menos intenso com os jogadores, tenta levar em consideração as múltiplas culturas nas quais eu trabalho do que o Fronckowiak de antes. Na última temporada eu trabalhei com oito países diferentes na quadra. Então, exige da gente uma autorrevisão e uma evolução. Nesse momento eu estou fazendo terapia. E isso está me ajudando enormemente. Eu já tinha feito em outros momentos, mas sempre terapia para resolver alguma situação, meio que uma válvula de escape ou uma situação de emergência. Estou fazendo terapia para me conhecer melhor, para me avaliar e para eu melhorar minha tomada de decisão. Vivi um momento com o clube em que nós questionamos a continuidade do contrato. E para não repetir determinados caminhos, que a gente tem uma tendência muitas vezes a repetir e que não são muito bons, por orgulho, ou por ansiedade, ou por velocidade da tomada de informação, o processo da terapia me ajudou muito”.
Expectativa para comandar o Steaua
“Estou muito feliz de ter recebido o convite e a valorização do clube e do vôlei romeno, que foi referência até os anos 80 e está voltando a ter uma liga forte. Em um primeiro momento, em janeiro, fevereiro, digamos que eu poderia ter outras opções. Teve gente que me questionou, dizendo: “Marcelo, você tem um mercado supervalorizado na Polônia”. Mas essa ideia de sair se concretizou agora e eu estou indo com muita alegria. É um clube que está me permitindo, inclusive, ter auxiliares que vão trabalhar na minha ausência, porque eu só vou voltar depois do Mundial. Vou enfrentar esse desafio da mesma maneira que eu sempre enfrentei qualquer outro desafio. E o futuro, depois, veremos”.