Papo franco com a bicampeã olímpica Sheilla sobre volta ao vôlei
Uma entrevista exclusiva com Sheilla. E ela fala sobre maternidade, Seleção, ranking...
O melhor momento da história do vôlei feminino brasileiro se confunde com a trajetória de Sheilla na modalidade. A oposto esteve presente nas principais conquistas, incluindo os dois ouros olímpicos em Pequim-2008 e Londres-2012. Em muitas delas, a camisa 13 envergada pela mineira estava na condição de protagonista. Ela marcou época e se transformou em referência da posição no país e no mundo. Também fez parte de algumas derrotas doloridas até hoje, como em Campeonatos Mundiais e na Rio-2016.
Dois anos e oito meses atrás, Sheilla esteve em quadra profissionalmente pela última vez, exatamente na despedida olímpica para a China, no Maracanãzinho, nas quartas de final. Não jogou mais depois daquele traumático dia 17 de agosto de 2016 para poder realizar um sonho pessoal: ser mãe.
Hoje, aos 35 anos, e com as filhas gêmeas Ninna e Liz, de cinco meses, quase sempre a tiracolo, Sheilla prepara o retorno ao esporte. Nesta entrevista, ela fala sobre as quase três temporadas de afastamento, admite ter cogitado seriamente migrar para o vôlei de praia, relembra os grandes momentos da carreira, aponta os grandes nomes da atualidade e não fica em cima do muro ao ser questionada sobre temas mais polêmicos, como ranking e o momento da Seleção Brasileira.
Abaixo a íntegra do papo com Sheilla.
Você realizou o sonho da maternidade e agora se prepara para voltar ao vôlei. Como foram esses quase três anos afastada das quadras?
Foram quase três temporadas sem jogar e por incrível que pareça posso dizer que o tempo voou. Maternidade, tentar engravidar, engravidar, perder… Esse tempo voou muito, principalmente do ano passado para cá, com a chegada das meninas. Tem passado muito rápido.
Qual o tamanho da falta do vôlei na sua vida neste período?
Vou ser sincera. Ali no comecinho, logo que acabou a Olimpíada, veio a Superliga, eu não estava querendo assistir muito. Estava cansada. Foi passando o tempo e, já no final da Superliga 2016/2017, fui sentindo saudade, fui querendo assistir mais, vendo os jogos de Seleção, acompanhando a Superliga quando eu podia. Foi só aumentando a saudade. Minha vida sempre foi jogar vôlei. Eu precisava parar um pouquinho para respirar, para ser mãe. Mas agora estou com muita saudade.
O que pode dizer das negociações para definir seu clube na próxima temporada?
Está na mão do Léo (Cunha), meu empresário, alguém que eu confio. Ele sabe o que é melhor para mim, para as meninas. Então está nas mãos dele e nas mãos de Deus. Seja o que Deus quiser (Nota da redação: Sheilla acabou fechando com o Itambé/Minas após o problema cardíaco de Bruna Honório. Ela chegou a negociar com o Hinode/Barueri e esteve na mira do Curitiba).
Pensou em parar de jogar de vez ou sabia que era só um tempo?
Não cheguei a pensar em parar de vez, não. Só estava em dúvida entre voltar para quadra ou tentar o vôlei de praia. Inclusive comecei a treinar na areia. Recentemente é que decidi pela quadra por causa da conversa com algumas pessoas. Uma delas até o Zé Roberto. Acho que não tem problema falar. O Zé, o Zé Elias, o Zezinho (Proença, preparador físico). Foi quando eu decidi continuar em clube mesmo.
Chegou a bater uma bolinha nesse período de afastamento desde 2016?
Bati bastante bolinha, posso dizer. Costumo ir muito para Camburi, litoral norte de São Paulo. Lá eu sempre jogava vôlei de praia, muitas vezes até com bola de quadra. Posso dizer que fiquei parada profissionalmente, mas o vôlei sempre fez parte da minha vida. Em 2017 eu fiz uns três meses de treino na areia, antes de engravidar, na verdade depois de perder a primeira gravidez e engravidar pela segunda vez. Agora, desde janeiro, estava fazendo uns treininhos na areia. Não fiz muitos treinos na quadra, pois é mais difícil. Na areia eu consigo com mais duas pessoas. Na quadra precisa de mais gente. Parada completamente eu não fiquei. Minha turma joga vôlei, então ficava fácil.
Como você planeja conciliar a vida de mãe de gêmeas com as viagens e jogos?
Se for só clube é uma coisa mais tranquila, já que as viagens são curtas. Com Seleção é um pouco mais complicado. Mas sou rodeada de pessoas, minhas filhas são rodeadas de pessoas que eu e meu marido confiamos. Então isso deixa tudo um pouco mais fácil.
Fisicamente você demonstra nas redes sociais estar bem, vem fazendo um trabalho especial. E tecnicamente? Como você acredita estar?
Eu sempre tive o metabolismo acelerado, tanto que nem ganhei muito peso na gravidez e depois perdi muito fácil. Nove dias depois do nascimento meu peso já tinha voltado para o que era antes da gravidez. Foram 13 quilos que ganhei. Peso nunca foi meu problema. Independentemente de qualquer idade, o mais difícil sempre foi ganhar massa muscular, ficar forte. Então eu já estou malhando há algum tempo. Comecei bem devagarzinho, até porque meu parto foi cesárea e eu não podia acelerar. Estou fazendo há um mês e meio um programa de treino do Zé Elias, preparador do Barueri e da Seleção. Tecnicamente eu acho que é questão de tempo. Acho que ninguém desaprende a jogar vôlei. Se eu estiver bem fisicamente a parte técnica volta tranquilo.
Quais jogadoras você viu surgir nas duas últimas temporadas e que chamaram a sua atenção no vôlei brasileiro? E no vôlei mundial?
No vôlei brasileiro eu gostei muito da Tainara, do time do Zé, que jogou a fase final da Superliga. Acho que ela se destacou, foi muito bem. É bem novinha. Tem outras jogadoras que apareceram recentemente, mas já estão com 23, 24 anos, então elas tem que começar a rendar mais do que estão rendendo, na minha opinião. Falo isso pela minha experiência, vivência. Mas a Tai me surpreendeu bastante. Tem tudo para ser uma grande ponteira, está evoluindo. Posso falar dela no Brasil. No mundo, acho que já vem desde a época que eu estava parando ali na Seleção, com a Egonu, Boskovic, Zhu, que continua. Estava acompanhando as semifinais da Champions League e a Egonu levou o time para as finais. Acho que são essas mesmo.
Gostou do posicionamento das jogadoras sobre o ranking?
Eu, inclusive, fui uma das que se posicionou. Estou no grupo de 7 pontos, apesar de não estar pontuada. Meu nome entrou para a votação de novo, o que é uma incógnita. Não existe critério. Qual o critério para eu estar lá depois de ficar três anos parada? Estou no grupo das meninas de sete pontos pois eu sempre me posiciono. A gente conversou junto sobre isso, machismo, história de ser diferente no masculino e no feminino. A gente busca igualdade, direitos iguais em todos os lugares. Até vieram alguns jogadores do masculino dizer que não foi machismo, pois eles conversaram com os clubes. Nós também tentamos conversar com os clubes. Nós, mulheres, vamos nos diretores. Posso falar nós, pois apesar de estar três temporadas parada, eu sempre fiz isso enquanto estava jogando. Lembro que na época que ainda era o Ary (Graça), presidente da CBV, eu fui pessoalmente conversar com ele sobre isso. Acho que a CBV tem sim que se posicionar, pois os clubes muitas vezes pensam na política. É só você analisar a votação do ranking e vai ver que é tudo politicagem de acordo com as jogadoras que eles querem (contratar). CBV precisa intervir, sim, pois isso só prejudica todas as atletas de sete pontos. São elas que abrilhantam o campeonato, trazem torcedores, estão na Seleção, trazem patrocinadores… Então, já que o clube pensa no próprio nariz, a CBV tem que intervir. Está sendo puro machismo isso. CBV tem que tomar posição a nosso favor. Jogar a culpa nos clubes é muito fácil.
Se pudesse mudar algo em sua carreira, o que seria?
Difícil, eu não sei se mudaria algo. Se eu pudesse mudar os títulos, é lógico que eu mudaria. Tudo o que eu perdi eu gostaria de ganhar (risos). Mas mudar alguma escolha, do que eu fiz, não. Sou satisfeita com todas as escolhas que eu fiz, todo o percurso que eu trilhei. Sempre dei o meu máximo em todos os lugares. Então eu não mudaria nada. Os títulos que eu não ganhei, os Mundiais, a Olimpíada no Rio, Superligas que não ganhei, Champions, isso sim…Mas isso não dependeria só de mim, dependeria de outros fatores. Escolhi bem minha trajetória, foi muito bem feita.
Tem algum jogo que você não consegue assistir novamente?
Para falar a verdade, eu nunca parei para rever um jogo bom, um jogo ruim, da Seleção ou de clube. Eu assisti ao tie-break do jogo com a Rússia, de Londres, pois me fizeram assistir. Nunca assisti um jogo inteiro meu. Vi minhas jogadas, ataques meus já editados, mas nunca parei para assistir tudo. Mas, no ano passado, quando fomos homenageadas no Maracanãzinho pelos 10 anos do primeiro título olímpico, entrei naquele vestiário lá, que foi o mesmo que entrei depois do jogo com a China, que foi meu último antes da gravidez. E ali a emoção subiu, eu chorei. Não sei se eu não gostaria de ver esse jogo mais uma vez, nunca me passou isso pela cabeça. Talvez eu até gostaria de vê-lo para ver no que a gente falhou, no que a gente poderia ter feito diferente, apesar de achar que a China realmente mereceu ganhar. Acho que não teria nenhum jogo que eu não conseguiria ver.
Enumere os três melhores jogos com suas melhores atuações?
É muito difícil falar sobre isso. Mas um jogo que todo mundo fala é aquele jogo da Olimpíada de Londres contra a Rússia. Ele ficou marcado principalmente por conta do tie-break. Acho que fiz grandes partidas na minha vida. É difícil enumerar só três. Então deixa só essa da Rússia. Como é difícil uma seleção tirar cinco, seis match points da outra, eu ter feito muitos pontos, ficou marcado.
Qual ou quais treinadores mais marcaram sua carreira?
Zé Roberto, pois foram muitos anos juntos. Jogamos tanto na Itália quanto Seleção desde 2005. Só 2002 e 2003 que tive o Marco Aurélio como técnico na Seleção. E o Bernardinho. Foi uma experiência incrível nos dois anos que estive no Rio. Realmente adorei, marcou muito, aprendi muito com ele. E o Angelo (Vercesi). Ganhei meu título italiano com ele. Era assistente do Zé. Como era ano pré-olímpico, Zé Roberto teve de ficar acompanhando, viajando para ver outras jogadoras. Angelo assumiu. Esses são os três que mais marcaram minha carreira, me fizeram aprender. Hoje inclusive continuo aprendendo com o Zé e o Bernardo sempre, independentemente de estar jogando com eles, mas só de observar eu aprendo.
O Zé Roberto está tendo dificuldade em manter o nível da Seleção neste ciclo olímpico Você acha que estamos passando por uma entressafra na geração de atletas?
Essa geração mais nova, isso não estou falando no vôlei apenas, estou falando na vida, não tem os objetivos muito claros na cabeça, como tinha a nossa geração sempre teve. E não é só no vôlei. Se está bem na profissão, se não está, se vai sair, procurar outros caminhos… Não tem muita paciência, não tem muita resiliência para persistir e continuar. Acho que é isso que tem acontecido. A impressão que eu tenho, estando de fora em 2017 e 2018, acho que falta comprometimento da geração mais nova. Podem achar ruim de eu estar falando isso, mas é verdade. Geração que veio meio avoada. Acho que isso tem de mudar. Tudo o que faz tem de fazer com muito amor e dar muito valor para o lugar que está. E está faltando isso.
Qual a melhor jogadora do mundo na atualidade?
Eu sempre achei difícil escolher uma melhor jogadora do mundo. Acho que sempre existem algumas jogadoras que se destacam durante alguns anos. Agora quem vem se destacando são Zhu, Egonu e Boskovic. Elas estão um passo à frente das outras, fisicamente e tecnicamente. A Egonu acho que mais fisicamente. A Boskovic também. A Zhu é mais fisicamente e tecnicamente. Tem aparecido várias jogadoras altas, com físico muito bom. No Brasil, para mim, tem sempre a Natália, Garay e Gabizinha. São referências de ponteiras no mundo. Garay e Gabizinha não são tão fortes fisicamente, mas são muito técnicas. E Natália que junta técnica coma força. E, se for olhar por títulos, a Piccinini. Ela vai para mais uma final de Champions. Pelo passe, pela segurança, tem estrela, e está em mais uma final.
Ainda pensa em ajudar a Seleção como atleta ou colaborando com o Zé e a comissão de outra forma?
Sim, penso em ajudar de alguma forma. Mas ainda não sei como.
Por Daniel Bortoletto
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