Um papo com Weber: Taubaté, argentinos no Brasil, Bolívar…
Argentino já venceu a Superliga como jogador e treinador
A relação do argentino Javier Weber com o Brasil é umbilical. Atuou como jogador e iniciou a carreira como treinador, conquistando a Superliga em ambas as funções. Agora, no EMS/Taubaté, reinicia a trajetória em quadras verde-amarelas em um dos principais projetos do país, após uma longa passagem pelo Bolívar.
Em entrevista ao Web Vôlei, Weber falou dos primeiros meses no país, no elenco repleto de selecionáveis, da relação com os outros técnicos argentinos no Brasil e da triste pausa no projeto do Bolívar.
Sentia de saudade do Brasil?
Sentia saudade de tudo. Brasil é a minha segunda casa. Minha filha é professora de português. É tradutora de português. Ela continuou estudando aqui no Brasil para ser professora. Minha mentalidade de treinador tem muito a ver com o vôlei brasileiro, valorizar mais o positivo do que o negativo. Isso é o Brasil. Como argentino, valorizo muito o brasileiro. Gosto muito da personalidade do brasileiro. Você não vai ver nunca o cara triste, ele curte o momento. Nada melhor para quem pratica o esporte. Quando eu comecei a jogar o Brasil já com 29 anos, 30 anos, a rotina cansava o corpo. No Brasil eu comecei a valorizar isso. Saber que eu era privilegiado por trabalhar com o que eu gosto. Essa é a mentalidade do Brasil. Eu estou sempre motivado. Como não estar motivado, se faço o que gosto, ganho grana, e todo dia acordo fazendo o que gosto de fazer? Eu tinha esquecido um pouco isso, esse jeito do brasileiro de se comportar.
A rotina durante a pandemia
Dentro da possibilidade da pandemia, foi bem. Sinceramente, a gente programa a semana, mas ninguém sabe o que vai acontecer. A gente testa a cada 15 dias, tem os controles e a segurança que hoje permite o coronavírus. Mas a gente vai mudando semana a semana. Estou contente, nestes meses iniciais o time está evoluindo bem em todos os sentidos. Temos muitos jogadores de seleção e, como não tivemos a temporada de seleções, eles começaram do zero. Treinador novo, diferentes situações de jogo, tática, técnica… Estamos evoluindo juntos, com um pouquinho mais de tempo do que o normal se os caras estivessem na seleção.
A evolução de Taubaté
Alguns jogadores estavam treinando: Bruninho no Rio, Lucão fazendo musculação, mas não é a mesma coisa. Nos primeiros 20 dias, treinamos só controle de bola, para ver quantos saltos podiam fazer. Foram quatro meses sem tocar na bola, ninguém sabia como eles estariam. Nos primeiros jogos a gente conseguiu fazer técnica e taticamente o que treinou. Mas, acima de tudo, o que me deixou feliz e satisfeito foi a postura da equipe. Uma postura de jogar para valer sempre, toda bola… Sempre focando a bola que vem, a situação, corrigindo a bola que não foi boa. Acho que o time tem muito para evoluir em todos os sentidos, como a maioria das outras equipes. Nesse Campeonato Paulista, ninguém teve amistosos. Todo mundo começou a testar em jogo oficial.
Lucão utilizando máscara
Essa é mais uma situação que não dá para programar. A gente chega de máscara nos treinos, depois tira. Na musculação é obrigatório usar. E o Lucão estava treinando de máscara faz tempo. A única coisa que eu perguntei para ele foi se incomodava. Ele disse que se acostumou. Eu concordo plenamente com ele. Se ele se sente seguro, tudo bem. Bruninho também treina com máscara várias vezes. Outros jogadores também, não o tempo todo, mas muitos conseguem treinar com máscara.
Bruninho
Vou ser sincero. No meu ponto de vista, hoje é o melhor levantador do mundo por vários motivos. Não só porque joga muito bem. Ele faz o time jogar de um jeito muito bom. Na Seleção Brasileira é assim, na Itália foi assim. E também por tudo que ele transmite no dia a dia. Ele é exemplo dentro da quadra, fora da quadra, está sempre valorizando primeiramente a equipe, sendo um exemplo para os outros em todo o momento. No treinamento, ele quer sempre mais. Isso faz com que ele seja o melhor. Ele esquece um pouquinho tudo o que já ganhou e quer sempre melhorar no dia a dia. Estamos trabalhando a precisão das bolas da entrada e ele está sempre disposto a melhorar. Ele está sempre querendo ser melhor, ainda melhor. E para mim não tem satisfação melhor. Eu conheço o Bruno desde quando ele tinha 18 anos e estava começando na Unisul. Não mudou nada daquele Bruninho de esforço, dedicação. É uma satisfação muito grande trabalhar com ele.
Ter Bruninho e Rapha no elenco
Logicamente, temos de ser sinceros. Os dois podem ser titulares em qualquer time do mundo. Sem dúvida, é um privilégio ter dois levantadores desse calibre. Temos opções que outras equipes não têm para aproveitar. Eles sabem claramente a função que têm dentro da quadra e a função que eles têm dentro da equipe. Isso ficou claro desde o primeiro dia, muito claro. E eles compraram a ideia e estão trabalhando em função da equipe. Logicamente são caras que sabem jogar e que querem jogar. O Rapha tem um valor agregado muito importante fora da quadra, é a bandeira do projeto, o símbolo do Taubaté há muitos anos. E o Bruno é o melhor levantador do mundo hoje.
A disputa por um lugar na saída de rede
Hoje é uma posição bem disputada. Felipe Roque e Gabriel Cândido são dois jogadores diferentes na posição e isso é bom para mim. Dependendo do jogo e do momento, existem situações que posso valorizar uma mais do que o outro. Com o decorrer da temporada vou ter de descobrir a fortaleza de cada um deles e do que a equipe precisa. São jogadores diferentes, mas de muito potencial.
A presença argentina comandando times brasileiros
É um cenário de orgulho. Coloco o Brasil como uma das três principais ligas do mundo em termos técnicos e das equipes. Sada/Cruzeiro, EMS/Taubaté e Vôlei Renata não devem nada a nenhum time italiano, francês ou polonês. Ter três argentinos no comando de três excelentes equipes é um orgulho. Eu, o Horácio (Dileo) e o Marcelo (Mendez) temos um relacionamento muito próximo. Jogamos juntos no River Plate vários anos, desde as categorias de base até adultos. A gente curte essa amizade. Claro, a gente tem a rivalidade na hora do jogo, cada um com a sua metodologia, mas com os pensamentos muito parecidos em algumas coisas. Mas a primeira coisa que vem à cabeça é orgulho, são dois grandes treinadores e amigos.
A passagem pelo Bolívar e a pausa no projeto
Sinceramente, estou triste. A palavra é essa, triste. Um projeto de 18 anos que eu fiquei 14. Não achava que o projeto iria acabar. Você pode ter uma queda, a situação da Argentina e da pandemia é muito ruim, é lógico que o voleibol argentino iria sofrer. Mas o projeto acabou num momento em que não pensei que iria acabar. E é grande a tristeza. Me sinto muito parte do projeto. Tomara que volte na temporada que vem. Faz bem para o voleibol não só argentino, mas para o sul-americano. O bolívar investiu não só no time, mas em torneios, Sul-Americanos, Libertadores, fazia parceria com os clubes brasileiros, jogava amistosos, tinha uma parceria muito próxima. E hoje não ter o Bolívar jogando é uma pena.
A debandada de argentinos para a Europa
Vejo com preocupação para a liga local. O êxodo dos jogadores argentinos não foi só no primeiro nível: foi do primeiro, do segundo, do terceiro e do quarto… A molecada boa foi embora também. Sub-21, sub-20, indo para a segunda divisão da França, terceira divisão da Itália… É uma preocupação grande para o nosso esporte. Mas eu sempre falo que diante da crise vem a oportunidades. É hora de repensar o nosso esporte, é uma oportunidade de o voleibol argentino se juntar. Vai ter uma liga tecnicamente não muito boa, mas tem de ser muito boa de organização para crescer.