12 anos. Mas parece que foi ontem em Pequim
Daniel Bortoletto relembra a conquista do vôlei feminino em 2008
A conquista da medalha de ouro olímpica da Seleção Brasileira feminina em Pequim-2008 completou neste domingo 12 anos. E, lendo postagem das atletas, um filme passou pela minha cabeça. Estava na China para cobrir a Olimpíada pelo LANCE! e acompanhei de perto o vôlei, um dos esportes da minha “lista” diária de tarefas.
E resolvi puxar na memória alguns dos bastidores daquele inesquecível 23 de agosto. Não apenas da Seleção, mas também da rotina de uma grande cobertura para um jornalista. Prepare-se para o textão!
– Aquela Seleção Brasileira esbanjava confiança. E bem longe de ser soberba. Ficava claro após cada vitória por 3 a 0, cada zona mista, jargão para o espaço onde ficam os jornalistas do mundo todo no ginásio, aguardando a passagem das atletas para as entrevistas. O time foi perder um único set, na decisão contra os Estados Unidos.
– Fabi era uma espécie de “porta-voz” não oficial do time em Pequim. Bem articulada, não ficava nas respostas monossilábicas. E jornalista gosta de entrevistado assim. Para que vocês entendam o cenário, algumas regras do trabalho olímpico numa zona mista. As atletas não são obrigados a falar, mas elas passam obrigatoriamente pelo espaço. Quem quiser para e responde. As primeiras posições são para as TV´s detentoras de direitos. Depois outras emissoras e rádios. Por fim, mídia impressa e sites. Não apenas brasileira, mas do mundo todo. Dá pra imaginar a quantidade de profissionais da mídia em busca de entrevistas. Algumas jogadoras passam vários minutos falando com as TV´s, muitas vezes em links ao vivo. E quando chegam ao fim da zona mista já estão “cansadas”, quase sempre pedindo desculpas e seguindo para o vestiário.
– Após cada jogo, capitã e treinador dos dois times participam de entrevistas coletivas. Normalmente as atletas falar antes, pois precisam voltar para o vestiário para a recuperação física. Depois, é a vez os técnicos. Na primeira dela, José Roberto Guimarães ficou mais de uma hora respondendo perguntas sobre Brasil x Argélia. Em grande parte, culpa do protocolo. Perguntas e respostas traduzidas do português para o inglês e também para o chinês. Ao fim da entrevista, foi cercado por um grupo de jornalistas brasileiros para a resenha. E sugeriu: “Nas próximas coletivas, deixem os estrangeiros perguntarem. Serão poucas questões e acabará rapidamente. Na sequência eu paro aqui e atendo vocês com calma”. E assim funcionou durante toda a campanha.
– Na véspera da final contra os Estados Unidos, resolvi pedir ajuda na cobertura. Até então, havia feito todos os jogos sozinho. Mas já imaginava que o trabalho seria longo naquele dia. O amigo Thiago Rocha me acompanhou (o LANCE! tinha em Pequim uma equipe de sete profissionais, um deles fotógrafo). No início do quarto set, recebi uma email da coordenação da cobertura no Brasil. “Se o Brasil vencer, vocês terão OITO páginas”. Foi o maior espaço dedicado a um único esporte. 12 anos atrás, a prioridade ainda era o papel, mas já publicávamos parte do material no site também.
– Da zona mista, nós, jornalistas do impresso/site, não sabíamos dos gestos de algumas brasileiras após a vitória n decisão. Aquele sinal de “cala-boca”, em resposta às críticas pela derrota em Atenas-2004, foi descoberto por nós horas depois. Coube a quem estava no Brasil, acompanhando pela TV, escrever sobre o tema.
– Com oito páginas para preencher, combinei com o Thiago. Ele foi para a entrevista coletiva do Zé e da Fofão. Eu fiquei na zona mista e depois fui circular pelo ginásio. Numa das saídas, encontrei Alcione, esposa de Zé Roberto, ao lado de uma das filhas. A entrevista com elas “salvou” quase duas páginas do jornal no dia seguinte.
– O Ginásio Capital, uma das sedes do vôlei em Pequim, era uma instalação antiga, sem tanta estrutura. Eu e o Thiago resolvemos sair de lá e seguir para o Centro de Mídia, que ficava ao lado do Estádio Olímpico, o Ninho de Pássaro, e do Cubo D´Água, o espetacular palco da natação. Passamos a madrugada escrevendo as matérias e saímos de lá, rumo ao hotel, já com a luz do dia. Certamente foi o maior expediente da minha vida, tendo trabalhado mais de 20h. Devo ter me alimentado com bolacha de chocolate (biscoito pra quem preferir), batata Pringles, Coca-Cola e algum sanduíche do McDonald´s. Era a minha dieta olímpica.
– Achei aqui em casa o “media guide” do vôlei em Pequim-2008. A revista feita pela FIVB tem 132 páginas. Na capa, apenas duas fotos: o ponta brasileiro Giba e a ponta chinesa Hao Yang. No capítulo reservado para a Seleção Brasileira feminina, perfil de 19 jogadoras. Além das 12 campeãs, com o respectivo número da camisa (1 – Walewska, 2 – Carol Albuquerque – chamada ali de Carolina, 3 – Mari, 4 – Paula, 6 – Thaisa, 7 – Fofão, 8 – Valeskinha, 9 – Fabiana, 10 – Sassá, 12 – Jaqueline, 13 – Sheilla, 14 – Fabi), foram citadas as demais inscritas. Vamos a elas: 5 – Carol Gattaz – no guia tratada como Caroline, 11 – Marcelle, 15 – Ana Tiemi, 16 – Natália, 17 – Renatinha, 18 – Joycinha – no guia Joyce – e 19 – Arlene.
– No perfil das atletas, além de nome, altura, peso, posição, local de nascimento, algumas curiosidades. Por exemplo: o livro favorito de Wal era Carandiru. Lasanha era a comida preferida de Fabiana e Sheilla. Titanic era o filme predileto de Jaqueline. Típica informação quase nunca utilizada na cobertura.
– O guia ainda apresenta um capítulo chamado “Siga as Estrelas”, com seis escolhidas: Sheilla (BRA), Zhang Xian (CHN), Simona Gioli (ITA), Katarzyna Skowronska (POL), Ekaterina Gamova (RUS) e Tayyba Haneef (EUA).
– Dias como aquele nunca serão esquecidos. E como é bom relembrá-los.
Por Daniel Bortoletto