Bernardinho fala de Ricardinho, Zé Roberto, Neymar, Bruninho, Escadinha e política
Em entrevista ao programa “Conversa com o Bial”, que foi ao ar na noite desta quarta-feira, na TV Globo, o técnico do Sesc RJ, ex-treinador das seleções brasileiras feminina e masculina Bernardinho, dono de nada menos que sete medalhas olímpicas – uma como jogador (a Prata em Los Angeles-1984) e seis como treinador -, falou sobre política, geração de prata, o corte de Ricardinho antes do Pan do Rio-2007, as críticas por ter feito o próprio filho titular da equipe após o polêmico corte, a relação desgastada com o técnico da Seleção Brasileira Feminina, José Roberto Guimarães, da importância do líbero Serginho Escadinha nos Jogos do Rio disse que gostaria de dar conselhos ao atacante Neymar, que é amigo pessoal de Bruninho.
Como treinador, Bernardinho, que completou 60 anos em agosto, conquistou as medalhas olímpicas de bronze com a Seleção Feminina em Atlanta-1996 e Sydney-2000. Com a Seleção Masculina, foi campeão em Atenas-2004 e Rio-2016 e prata em Pequim-2008 e Londres-2012. No total, foram 48 títulos disputados, 43 finais e 31 ouros conquistados.
Confira abaixo, alguns trechos da entrevista:
Bial – Você era um dos primeiros a chegar para treinar. O Bernard (ex-ponteiro da Seleção) também?
Bernardinho – O Bernard era fominha, muito fominha e muito bom. Craque. Eu não tinha o talento desses caras com os quais eu convivi e admirei. Precisava treinar e gostava do processo. Até hoje eu gosto. Gostava do dia a dia, da evolução. Era consciente de que não era talentosíssimo para ser um grande jogador, mas que eu poderia ser um bom jogador, de estar onde eu gostaria de estar e realizar o sonho de estar na Seleção e ir a uma Olimpíada.
Bial – Sem o excessivo rigor de técnico Bernardinho, nem falsa modéstia: Você foi um grande jogador?
Bernardinho – Não. Fui um bom jogador, não um grande jogador.
Bial – Um cara que chega à Olimpíada não pode dizer que é só um bom jogador…
Bernardinho – Nós tínhamos 7, 8 grandes jogadores e 5 bons jogadores. Os grandes eram Bernard, Renan, Montanaro, William, Xandó, Amauri, Badá, Fernandão… e aí nós tínhamos um segundo grupo de bons jogadores, bons complementos, jogadores de função.
Bial – Mas esse timaço perdeu o ouro em 1984 por um defeito de cabeça? Qual o nome daquela derrota?
Bernardinho – Na minha opinião, sim. Ganhamos dos Estados Unidos na fase classificatória por 3 a 0, jogando muito bem…. Acho que houve uma desmobilização, uma pequena descontração. Ganhamos de 3 a 0, vamos ganhar de novo… Mas os Estados Unidos são estudiosos, são de números, de estatística e detectaram todas as possibilidades que eles tinham para reverter aquela história e reverteram. Acho que nós não estávamos mobilizados como deveríamos. Por isso a minha obsessão por mobilização.
Bial – Você acha que subiu à cabeça?
Bernardinho – Você tinha uma geração que estava desbravando algo que nunca tinha sido desbravado. Então você cai em armadilhas, porque não conhece aquilo. Ninguém nunca tinha pensado em chegar a uma final olímpica e estávamos em uma final olímpica! Então, todo o entorno, a mídia… chegar ao aeroporto lotado com torcedores e encontrar aquilo, era impensável nos anos 80 para o voleibol. Um ginásio como o Mineirinho, com 20 mil pessoas, lotado, nunca imaginávamos aquilo. Então, obviamente que tudo isso mexeu com as pessoas.
Bial – Perdeu para a vaidade?
Bernardinho: De certa forma, eu diria que sim. Alguma coisa de vaidade, com algumas questões do próprio grupo. Mas, eu entendo, porque era tudo muito novo, estávamos num campo desconhecido.
Bial – A vaidade está sempre presente no seu discurso…
Bernardinho – Em 2004, em Atenas, o Nalbert, que era o nosso capitão, numa reunião à noite pré-Olimpíada, questionou: “Você fala em vaidade, que vaidade? Porque está falando isso?” Esse é um alerta permanente. A minha geração se perdeu por uns egos, a geração de ouro, em 1992, que não abiu uma sequência maior, provavelmente a questão dos egos também entrou ali… para esse (2004) nós não vamos perder. O ego é o grande inimigo. Por causa dessa armadilha, do ego, nós não podemos perder. Podemos perder por outro motivo, por questões técnicas, pelo treinador, o que quer que seja, mas não por esse motivo.
Bial – Você é um obsessivo?
Bernardinho – Para muitas coisas, sim. Trabalho, por exemplo. E uma coisa que eu tenho de trabalhar, porque eu não me concedo férias. Têm de ser rápidas, porque eu não consigo, eu adoro aquilo que eu faço.
Bial. Qual é o seu propósito maior? Não é só o título… Tem que ter algo maior…
Bernardinho – Os anos nos fazem refletir sobre qual é a sua missão na história. Qual é a minha missão? Que as pessoas que estejam à minha volta evoluam. Você ganha e perde, faz parte, você aprende. Mas quando eu, por algum motivo, não consigo tocar alguém e fazer com que ele evolua, essa é a maior frustração. Como um professor, um coach. Além de ser treinador, sou professor na PUC. É realmente agregar valor, somar na carreira da pessoa.
Bial – Você dá aula de que na PUC?
Bernardinho – Liderança e empreendedorismo. Dou aula para jovens empreendedores. No esporte, sua matéria-prima é gente, você não tem produto, é só gente, montar times. Essa é a essência.
Bial – Como você se imaginava aos 60 anos quando era menino?
Bernardinho – Eu sonhava em ter um futuro no esporte. Mas não programei isso. Tanto, que fui estudar Economia e fui fazer estágio em um banco de investimentos, depois entrei de sócio em alguns negócios, continuei crescendo no Rio de Janeiro. Eu vivia assim, como um cara de negócio, batendo uma bolinha no final de semana, orientando alguém, quem sabe um filho no esporte… Mas não imaginava. Eu parei de jogar em 1989, aí fui para a Itália, mas eu estava parando já. Era alguma coisa para complementar renda, um dinheirinho para jogar. No finalzinho de 1989, minha grande questão naquele momento na Itália era se seria capaz de viver da minha paixão. Poucos viviam do voleibol… Tinha o Bebeto de Freitas, que já era consolidado, mas poucos conseguiam. Eu fui para a Itália nessa aventura (como treinador) e realmente a coisa foi. As oportunidades se abriram e eu resolvi viver disso, melhorar, crescer.
Bial – E aí você percebeu que, como técnico, você poderia ir muito além do que você foi como jogador?
Bernardinho – Na Seleção, eu era reserva. Eu entendia que a minha contribuição ali era, no treinamento, ser o melhor sparring possível. Eu estudava o adversário para, no treinamento, reproduzir esse adversário. Uma vez, em um jogo no Maracanãzinho, Bebeto, que era um treinador muito talentoso, disse para eu entrar e eu disse: “Não, não vou entrar agora”. O William estava num raro momento de insegurança que ele viveu no Mundialito. Eu disse ao Bebeto que era hora de dar segurança a ele. Tinha um Mundial logo depois. E nós não iríamos ganhar o Mundial comigo. Eu posso ajudar. Mas é com ele que nós vamos ganhar. Eu acho que já era um pouco de treinador, eu gostava disso, da estratégia. Eu me via melhor nisso do que executando.
Bial – Separamos uma série de memes com suas reações durante os jogos, como treinador…
Bernardinho – (risos) Uma vez em um jogo, no tie-break, eu rompi o tendão de aquiles. Aquele jogo tenso no Tijuca, aquele calor, eu dei um salto e senti, caramba, acho que machuquei alguma coisa. Eu caí, mas levantei e continuei. Operei dois dias depois. Tinha rompido o ligamento.
Bial – No Masculino, depois do ouro em 1992 que não teve prosseguimento, como você disse, a gente ficou fora da disputa em Atlanta e em Sydney, aí você assumiu em 2001 e mudou tudo. Foi um ageração extraordinária: duas Copas do Mundo (2003 e 2007), oito Ligas Mundiais, ouro em Atenas-2004, duas pratas (Pequim-2008 e Londres-2012), três campeonatos Mundiais (2002, 2006, 2010) e o ouro olímpico em casa, em 2016. Vai haver algo parecido assim?
Bernardinho – Acho que dominar como foi dominado assim, Estados Unidos nos anos 80, União Soviética anteriormente, hoje, é muito difícil. Hoje você tem acesso a tudo muito rápido. É complicado manter a hegemonia. Nós atingimos o topo do ranking (masculino) em 2003. Assumimos em 2001 e o Brasil estava em quinto, sexto… Desde então, nunca mais saímos do topo do ranking. Isso é consistência. Não ganhamos sempre. Ficamos em segundo, primeiro, mas estávamos sempre em finais. Isso é somatório de pontos. Estamos em 2019 e continuamos em primeiro no ranking. Ficamos em quarto na Liga das Nações, fomos vice no Mundial, mas estamos lá, brigando, brigando. Isso é importante: seguir lá.
Bial – Houve um momento nessa hegemonia, uma decisão importante, que foi o corte do Ricardinho. Você nunca se arrependeu desse corte?
Bernardinho – Não. Mas o fato de eu não me arrepender não significa que eu não fiquei triste pela minha história e pela minha relação com o Ricardo. Ninguém acreditava muito no Ricardo lá em 2001, 2002… Maurício era “o cara”. E nós acreditamos nele. Foi espetacular a velocidade com a qual a gente passou a jogar, porque eu via nele essa capacidade. Num certo momento, houve um desalinhamento de valores. Mas isso não é um julgamento de caráter. De forma alguma. Alguém fala, por exemplo: “Bernardo, eu quero tocar, mas eu quero ser o solista. Não quero tocar numa banda”. Isso é uma característica, não é um desvio de caráter. Você tem todo o direito. “Olha, eu quero jogar, mas não quero treinar tanto”. É uma questão de opção, não de caráter. Mas, nós tínhamos valores muito claros. Nossa cultura é de trabalho ao extremo. Eu vi que a cultura estava ameaçada… Foi uma pena que tenha acontecido dessa forma e foi alimentado pela mídia, porque numa seleção tão vitoriosa, quando há uma crise, a crise se torna um prato cheio… e isso gerou um afastamento maior e mais duradouro do que eu imaginava. Ele retornou em 2012 e a gente constitui uma relação de respeito e carinho, mas naquele momento, era o que tinha de ser feito.
Bial – E ainda tinha o agravante do cara que entrou no grupo era o seu filho, o Bruno…
Bernardinho – Sim. E aí vieram as acusações de que fui injusto e parcial. O Bruno era o terceiro levantador e foi promovido para segundo (Marcelinho virou titular no lugar de Ricardinho). A reação do restante da equipe como foi? Se eu tivesse feito alguma coisa baseada no nepotismo, que fosse injusta, os jogadores teriam me aceito como líder durante tantos anos? Tanto que a reação foi do tipo: “olha, tá certo”.
Bial – Você se reconciliou com o Ricardinho em 2012. Mas, e com o Zé Roberto, que em 2004 disse que você estava interferindo no trabalho dele na Seleção Feminina, você acha que algum dia vocês se reconciliam?
Bernardinho – Acho que não. Vou ser muito sincero. Uma coisa é a admiração pelo profissional, isso é indiscutível. Só posso realmente elogiar e reconhecer. Mas, houve um fato, uma acusação pessoal, pública e aquilo foi para mim… Acho que as coisas têm limite. Discussões podem acontecer. Mas, quando você coloca em dúvida o caráter de outra pessoa, isso para mim é… Nós nunca conversamos sobre isso. Para isso acontecer, para ser sincero, a iniciativa tinha de ser dele. Não é que a gente briga, nos cumprimentamos, mas não temos um relacionamento. Não tem briga. Mas não há interação, não há uma relação que some para o esporte brasileiro. Isso é fato.
Bial – Vamos falar sobre a conquista do Rio, em 2016. Tecnicamente, a geração de Atenas com a do Rio… dá para comparar?
Bernardinho – A geração de 2004 foi a mais talentosa… a de 1992 também era, mas eu diria que o somatório do grupo de 2004 dominou o voleibol. A geração de 2016 é uma boa geração, mas no nível de nove outros times. A França, que era favorita ao ouro olímpico, time que a gente bateu na última partida da chave, quase uma oitava de final, o que não existe em Olimpíada, mas era um mata-mata, ficou em nono lugar. Era favorita ao ouro! Então, do primeiro ao nono é apenas uma partida.
Bial – Ali houve uma decisão sua de não cortar o Serginho. Tudo indicava o contrário, os números indicavam que o Serginho não tinha condições de jogar. E você o manteve. Por que?
Bernardinho – Os números diziam isso, algumas pessoas diziam que ele não tinha mais condições, mas eu digo o seguinte: há números e há os intangíveis. Números não são inteligentes. Nós precisávamos de um líder para suportar a pressão que seria uma Olimpíada no Rio de Janeiro. E o Bruno sozinho, que se tornou um pouco líder, não teria condição de arcar com esse peso. O Escada, certamente, por tudo que ele representa, o peso que ele carrega e tudo que venceu na vida, era o cara indicado para suportar tudo ali. Eu tentei, durante esse último ciclo, testar outros líberos. Mas, nenhum poderia suportar o que ele suportou. Na véspera do jogo contra a França, ele faz uma reunião. Era um jogo decisivo. O jogo mais tenso da minha carreira foi esse contra a França, na Olimpíada do Rio. Era nono lugar, ou seguir para buscar a medalha. Ele pediu: “Professor, patrão, quero falar com os jogadores”. E aí ele falou uma coisa que foi incrível: “Galera, estou na UTI, 40 anos, respirando por aparelhos. Se nós perdermos amanhã, eu morro”. Esportivamente falando, realmente acabava a carreira dele na Seleção. “Eu não quero morrer amanhã. Eu preciso de vocês”. Ele conclamou a turma. Era a sobrevivência de um companheiro, de um líder, de um exemplo para os caras que estava em jogo. E os caras se juntaram, e falaram “você não vai morrer”, aquela coisa de garotada…
Bial – Eu imagino que você dirigindo o Bruno, seu filho, não tinha muito tempo para manifestações como a cena de vocês com a medalha olímpica em 2016, depois, no pódio…
Bernardinho – Não, nunca. Até porque, na frente dos jogadores não tinha “pai” nunca. Ele tem a inteligência emocional da mãe (a ex-jogadora da Seleção Brasileira dos anos 80, Vera Mossa), essa coisa de carinho. É um cara de gente, um líder, um capitão exemplar. E esse foi o nosso momento (no pódio).
Bial – O Bruno é grande amigo do Neymar também. Você não fica com vontade de dar uns conselhos para o Neymar?
Bernardinho – Depois que eles se aproximaram é claro que você se envolve com um carinho ainda maior. Não só a admiração pelo jogador, vai além disso. Ele vai ter um período difícil no Paris Saint Germain. Eu gostaria muito poder ajudar de alguma forma. Ele tem tanto potencial. Esse é a grande frustração do treinador, do pai, não conseguir tirar o melhor do filho, do jogador. A sensação de que o cara não fez o que poderia ter feito.
Bial – Tem gente que se sente frustrada por você não ter abraçado a carreira política depois que abandonou a Seleção. Quase foi candidato a governador do Rio ano passado, mas, na Hora H, pulou fora. Quando você vai compensar essa frustração de quem quer votar em você?
Bernardinho – Pergunta complicada (risos). A minha atribuição é ser treinador, é ser um cara de gente. Eu hoje participo de uma série de coisas para incentivar as pessoas a participarem da vida política, a assumirem responsabilidades. O que é público, é nosso. Então, temos de participar, seja estudando, entendendo, sabendo quem é essa pessoa que me representa, e cobrar dela.
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