Pirv, sobre a final de 2002: “Se não o melhor, um dos melhores jogos da minha vida”
Ela entrava no ginásio e a arquibancada ia abaixo, aos gritos de “Pirv, eu te amo”. Era sempre uma explosão de fãs e de idolatria quando a ponteira romena Cristina Pirv estava em quadra defendendo a camisa do MRV/Minas, o que aconteceu entre 1999 a 2002. Loira, bonita, simpática, boa de bola, jogava com garra, atendia os torcedores, tirava fotos, distribuía autógrafos, dava entrevistas e, principalmente, fazia ponto e decidia jogos.
Pirv foi o grande nome da conquista da Superliga 2001/2002 com a camisa do MRV/Minas, único e último título da competição na história do clube, que tem no currículo o Campeonato Brasileiro 1992/1993 com o Láqua Di Fiori/Minas, mas na época o torneio ainda nem se chamava Superliga.
O jejum de 17 anos pode acabar nesta sexta-feira, no Sabiazinho, em Uberlândia (MG), quando as minastenistas voltam a enfrentar o Dentil/Praia Clube, atual campeão da competição, a partir das 21h30, pelo segundo confronto da série melhor de três da Superliga Cimed Feminina 2018/2019.
O Minas venceu o primeiro jogo no último domingo, por 3 a 2, no Mineirinho, em Belo Horizonte (MG). Se o Praia ganhar hoje, leva a decisão para o dia 3 de maio (sexta-feira), às 21h30, novamente na capital mineira.
Da Romênia, Pirv bateu um papo animado com o Web Vôlei. Aos 46 anos, ela se emocionou com as lembranças, contou como foi o clima da final, ratificou seu amor pelo Minas e confessou que se arrepende de três coisas na carreira: de não ter voltado a jogar no clube mineiro; não ter aceito o convite de Bernardinho – técnico da Seleção Brasileira na época -, em 1999, para se naturalizar brasileira e disputar os Jogos de 2000, em Sydney, com a camisa do Brasil, e de ter deixado as quadras muito cedo. Ela parou de jogar profissionalmente em 2006, no Novara (ITA), time que já tinha defendido nas três temporadas anteriores – atuou até o quarto mês de gravidez – onde foi campeão da Supercopa e do Campeonato Italiano.
Com uma filha pequena – Nicoll nasceu durante a Olimpíada de 2004, fruto do relacionamento com o ex-jogador Giba -, Pirv resolveu parar de jogar para cuidar da família e acompanhar o marido. Os dois foram casados de 2003 a 2012 e tiveram ainda o caçula Patrick, hoje com 10 anos.
O time base do MRV/Minas em 2002 era: Fofão, Elisângela, Érika, Pirv, Marina, Ângela Moraes e Ana Maria Volponi (líbero). O técnico era Antônio Rizola, que na última temporada comandou o São Cristóvão/São Caetano.
O BCN/Osasco jogava com: Carol Albuquerque, Patrícia Cocco, Virna, Paula Pequeno, Valeskinha, Janina e Arlene (líbero). Jaque tinha apenas 18 anos, mas já era uma jogadora de muita personalidade e era uma espécie de sétima jogadora, entrando sempre em quadra. José Roberto Guimarães era o treinador. Na época, e ele ainda comandava a Seleção Brasileira Masculina – só iria assumir a feminina em 2003.
Confira os principais trechos da entrevista:
A final de 2002, no Mineirinho, contra o BCN
Foi espetacular inesquecível, se não o melhor, um dos melhores jogos da minha vida, melhor dia da minha vida, ganhando aquele campeonato maravilhoso. O que eu mais lembro daquele dia? Tudo. Cada detalhe, me lembro de tudo mesmo, um filme passa pela minha cabeça. Lembro muito da torcida, 21 mil torcedores, o ginásio lotado, lembro dos últimos três pontos que eu fiz, lembro das minhas companheiras, me lembro que eu estava com uma torção no tornozelo, não tinha treinado nenhum dia naquele ginásio, lembro da minha mãe desmaiada na ambulância, lembro do Dindo e da Dinda (Pelé, tricampeão brasileiro com o Fiat/Minas, ex-ponteiro da Seleção Brasileira e sua esposa Yolanda) me esperando depois do jogo. Me lembro de cada detalhe, das meninas. Foi inesquecível.
Lesão na final
A gente tinha sido derrotado no primeiro jogo por 3 a 0 e perdia o segundo por 2 a 0 e o terceiro set por 16 A 13. Eu tive a torção no tornozelo no segundo set, logo em seguida eu voltei, pedi para o Dr. Carlos (médico do Minas) para voltar… Ele disse, que eu não iria voltar e eu falei que iria jogar sim, e voltei e ganhamos aquela partida e fomos para o terceiro confronto. Quando a Fernanda Garay se machucou nessa partida de domingo, eu estava assistindo pela TV e eu me vi naquela cena. Eu senti muito o machucado dela. Passei a semana me recuperando da lesão para jogar no sábado. Não treinei nenhum dia. Entrei na véspera do jogo no Mineirinho para fazer uma movimentação e me adaptar ao ginásio, mas não saltei.Nunca joguei num ginásio maior que o Mineirinho, então foi realmente especial. No começo você se perde, é um ginásio atípico do que se joga no campeonato inteiro, mesmo Mundial ou Olimpíada. É atípico, mas espetacular, principalmente quando está cheio. Naquela semana eu não treinei saltando no ginásio, porque como eu estava machucada eu me poupei. Fiquei só treinando, sem saltar. No treino, achei muito grande. Mas, quando fui jogar, com o ginásio cheio, a torcida preencheu bem o espaço e não senti tão grande. Senti foi o calor dos mineiros, da torcida.
Força do grupo
O que foi mais forte naquele ano foi o grupo, a união, tivemos várias dificuldades durante o ano, mas a gente se reencontrou.
Favoritos
Lembro que o BCN e o Rexona eram os favoritos daquele ano. A Globo já dava o BCN como campeão, nós não éramos favoritos. A nossa força foi o grupo mesmo. A gente trabalhou muito duro, a gente se uniu e falou, esse ano a gente vai ganhar.
“Pirv, eu te amo!”
Eu acredito que eu conquistei bem o meu lugar no primeiro ano no Minas e devagar assim eu entrei no coração dos mineiros e com certeza eles entraram no meu coração. Foi um sentimento recíproco. Um carinho recíproco. Me lembro quando eu tirava a faixa do cabelo, no ginásio, depois de cada jogo, era um alvoroço, me chamavam de Pirv Feiticeira (risos). Quando eles gritavam “Pirv eu te amo”, era fantástico, me lembro até hoje, eu falo pra os meus filhos. É único. Não foi diferente jogar no Minas. Foi único. Foi espetacular eu agradeço muito torcida. Até hoje vários fãs me mandam mensagem no Instagram, fotos de quando eu jogava.
Carreira precoce
A minha carreira foi muito precoce. Comecei a jogar vôlei com 8 anos, com 13 anos e meio eu já estava na Seleção Romena. Com 14 anos eu saí de casa para jogar no melhor time da Romênia, fiquei 5 anos lá, que é o Dínamo Bucareste, com 16 anos eu fui a melhor atacante da Europa e com 18 eu fui melhor jogadora da Europa e com 19 anos eu fui embora para a Itália, era o campeonato com as melhores jogadoras do mundo e eu quis ver qual era a minha real condição, meu jogo diante dessas jogadoras que eram as melhores do mundo. Fui a mais nova jogadora na Romênia a sacar viagem, com 14 anos, a primeira a atacar da linha dos três metros, sacar viagem, naquela época não era muito comum.
Mundial de 1994, em BH
Em 1994 joguei o Mundial pela Seleção da Romênia no Mineirinho. A gente perdeu muito rápido, não viu nem a cor da bola. Mas foi minha primeira impressão do Brasil, de Minas. Lembro das camisetas amarelas na arquibancada, da música que a torcida do Brasil cantava: “Em cima, embaixo e puxa e ai”. Eu não sabia o que era, mas imaginava por causa dos gestos (risos).
Mineirinho
Não é um ginásio normal. Para quem joga da primeira vez é um pouco assustador. Depende da experiência que você tem nos campeonatos que você jogou, assusta um pouco. Não é fácil, mas precisa se adaptar, se prepara muito psicologicamente antes de jogar jogos assim. Tem de focar na bola, no campo, esquecer um pouco do que está na sua volta para ter o rendimento que você quer quer ter no jogo.
Trabalhar com o Rizola
Foi ótimo, uma pessoa muito boa, uma pessoa que entende muito de vôlei e ele entrou na brincadeira, no nosso grupo. Ele chegou no time e falou: Pirv, você quer trocar todos os títulos individuais que você tem pelo de campeã da Superliga”? Eu tinha sido maior pontuadora, melhor atacante sul-americana maior pontuadora da Superliga… Eu falei: “Bora, eu troco por todos os meus troféus individuais pelo título”. Nossa aposta valeu! Fomos campeãs e, de novo, pela quarta vez, eu fui a maior pontuadora do campeonato, então cumpri tanto a minha meta individual quanto com o time. Mas, com certeza o título para mim vale muito, muito mais.
Gostaria de ter voltado a jogar no Minas?
Com certeza, falaria sim, com toda certeza, com todas as minhas forças. Mas, enfim, a minha carreira foi interrompida um pouco cedo. Hoje posso ter o arrependimento, mas não tem como voltar atrás. Eu tive dois filhos maravilhosos, queria ter jogado mais, com certeza, muito mais. Até agora, eu queria ter jogado. Todos os anos eu tive tanto propostas quanto vontade de voltar a jogar. Mas, casada, não deu. A gente decidiu de só ele (Giba) jogar e eu ficar cuidando da família. Enfim, não deu. Mas, seria um grande prazer voltar lá. Hoje acho que não dá mais né (risos). Não tenho mais joelho para jogar (risos).
Acompanha a Superliga?
Acompanho sim. Depois de vários anos o Rexona, agora é Sesc né, ficou fora da decisão, acho que isso não é ruim. Sinto muito pelo Bernardo, mas ficou um pouco mais interessante. Essa final é legal. E o Minas realmente está arrasando nesse campeonato, mas o Praia está muito bem, defendendo o título delas, uma briga boa. Acho que os destaques são Gabi, Natália, Fê Garay. Todas arrasando. O campeonato está de altíssimo nível, título em aberto. Foi extraordinário para o Minas ganhar, claro, foi importante, mas acho que a falta da Fernanda no Praia fez o time sentir, ela fez muita falta. Se ela conseguir jogar no próximo jogo, vai ser diferente. Mas, ainda acho que tudo aberto. Me lembro da nossa final, que perdemos por 3 a 0 no BCN, que nem vimos a cor da bola, depois o segundo jogo viramos 2 a 0 e 16 a 13, então final tem dessas coisas. Acredito que tem muita emoção para rolar ainda.
Saudades de BH?
Sinto mais saudade de BH, do “Uai”, do “Trem Bão” (risos), estou sentindo saudade do sítio do Dindo e da Dinda (sítio do Pelé, na Grande BH), do doce de leite, do queijo, do pão de queijo.. Muitas saudades da torcida, da imprensa… Eu dava muita entrevista, mesmo falando muito mal o português, eu dava muita entrevista (risos).
Sonho olímpico
Em 1999, o Bernardo conversou comigo para eu me naturalizar brasileira para jogar a Olimpíada de 2000. Vou te falar com todas as minhas forças: que pena que eu não aceitei aquela proposta do Bernardo. Sinto muito até hoje. Arrependida, totalmente, mas não tem o que fazer. Tem de ir para frente. Na é poca eu achava que era a escolha certa. Eu fui capitã da Seleção Romena durante muito tempo, então não achei justo sair. Quem sabe agora eu seria campeã olímpica, né? (risos). Agradeço ao Bernardo, que teve muita confiança em mim para fazer aquela proposta, mas não deu.
Futuro
Quero trabalhar com vôlei aqui na Romênia. Quero devolver para o vôlei o que o vôlei me deu, pelo menos um pouco da minha experiência nacional e internacional durante todos os anos da minha carreira. Estou pensando em um projeto, um time de segunda divisão com objetivo de subir para a primeira Liga da Romênia, montar uma academia com o meu nome para investir nos jovens. É preciso. Não se fala muito de vôlei aqui na Romênia e gostaria então através do meu nome, da minha experiencia trazer mais visibilidade, ver mas crianças e jovens praticando vôlei.
Nicoll e Patrick no esporte
Eu sofro às vezes com eles (risos). Prefiro não ir aos treinos, mas eles muitas vezes me pedem para ir. Patrick é mais simples, porque joga futebol e é goleiro, mas também joga com as mãos. Tem pressão, mas nem tanta. Com a Nicoll, que está treinando vôlei, é maior. Mas, desde pequenos, quando as pessoas falavam: “ah, é filho de tal e de tal”, eu sempre falava com os dois: você é Nicoll, você é Patrick, seu pai é o Gilberto e eu sou a Cristina”. Acredito que consegui, com o tempo, que eles se sentirem eles mesmos. E com a nossa vinda para a Romênia, eles pegaram mais confiança neles mesmos, confiança de serem eles mesmos. No Brasil era muita pressão nesse lado. Aqui também tem, claro, mas muito menos. Tanto que a Nicoll começou a jogar por paixão, com vontade, e manda mensagens “Mãe, amo vôlei”, escreve em letras maiúsculas que ama jogar… Eu sempre falo para eles que tem de fazer o que gostam, porque a vida de atleta é uma vida de sacrifícios. Não é fácil. Mas, se você tem paixão, passa por todas as dificuldades. Eu sofro com eles no esporte. É tenso. A alegria deles é a minha alegria e o sofrimento deles é o meu sofrimento. Estamos juntos.
Por Patrícia Trindade
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